A UMAR e o(s) feminismo(s): parte III
[Continuação da entrevista à vice-presidente da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), Maria José Magalhães.]
3. A fundadora do Movimento da Libertação das Mulheres, Maria Teresa Horta, sustenta que uma feminista, hoje, “tem de ser muito mais criativa e ousada, maleável sem quebrar, implacável sem ter que chegar ao braço de ferro”. Como é que a UMAR interpreta esta afirmação?
M.J.Magalhães: Maria Teresa Horta é e será sempre uma fonte de inspiração para mim e para a UMAR. Digo-lhe que já reflecti muitas vezes sobre esta frase de MTH, que ela proferiu no I Encontro sobre o Movimento Feminista organizado em Lisboa pela UMAR.
Criativa, é verdade: não há para as feministas nenhum manual para o nosso activismo. As formas de activismo político dos outros movimentos sociais (por exemplo, dos trabalhadores) não nos servem, por diversas razões (até desenvolvi isso na minha tese de doutoramento): 1º, não dá muito fazer manifestações, porque as mulheres não se mobilizam muito para fazer manifestações e algumas delas não gostam mesmo nada dessa forma de activismo; 2º as mulheres pertencem a diversas classes sociais, diversas etnias, diversos partidos políticos, diversas ONG’s, diversas orientações sexuais… por isso, temos que arranjar formas criativas de fazer ouvir a nossa voz e de unir o maior número de mulheres em torno da necessidade de mudar as formas que ainda nos discriminam; 3º pensar uma sociedade assente na igualdade de género, o que já foi considerado querer um mundo ao contrário, exige muita criatividade para podermos conceptualizar a mudança: quem pensaria, no princípio do séc. XX que Mary Robinson pudesse vir a ser presidente da Irlanda? Ou que Maria de Lourdes Pintasilgo pudesse vir a ser primeira-ministra de Portugal? Ou que as mulheres pudessem vir a ser juízas ou astronautas? Que heresia!?
Ousada, também. Se não ousarmos, como poderemos pensar que outro mundo é possível?
Maleável, pois: aprendi, em 1983 (ou 1984, não recordo com exactidão), num encontro feminista internacional que é necessário, na luta feminista, sabermos respeitar reivindicações e perspectivas diferentes, por vezes até contraditórias; a palavra de ordem desse evento foi: “aquilo que é bom para mim, não é necessariamente bom para ti” (ou “aquilo que é bom para ti, não é necessariamente bom para mim”). Isto ensinou-me a necessidade do diálogo, da flexibilidade e abertura à outra mulher, àquilo que é importante e urgente para ela num dado momento. Se não tivesse aprendido isto, já teria deixado a luta feminista há muito tempo. Por vezes, temos uma reunião ou uma acção programada, muito importante, e uma das mulheres cruciais nessa acção, afinal não pode ir: tem o filho doente, a mãe está com alzeimer, o pai foi internado… Isto é algo que não se passa com o mundo do activismo político (sindical, cultural, autárquico, partidário, etc.) onde impera uma perspectiva masculina e eles, a não ser quando vão mesmo para o hospital, não deixam de aparecer (se estiverem realmente motivados). Com as mulheres é diferente. Podem estar muito motivadas e isso não impedir que tenham que faltar. Com o tempo, isto também favoreceu a minha forma de estar no activismo político, porque também me permitiu conciliar com a minha função de mãe ou de filha — e sentir-me uma pessoa mais completa, porque sei que não tenho que descuidar a minha vida familiar, existe um trabalho em equipa que nos permite (às vezes com alguma tensão) dar conta do activismo e manter a nossa vida pessoal, familiar e profissional com algum equilíbrio. Claro que não temos a eficácia e a eficiência de outro tipo de organizações que têm sempre as respostas e as reacções prontas e de imediato. Mas simultaneamente, a mudança é mais radical porque a fazemos mudando todas as dimensões da vida e não apenas uma.
Implacável, porque por vezes temos que ser duras, e o que mais custa é que temos que ser duras com as pessoas de quem mais gostamos. A traição às reivindicações feministas vem, habitualmente, dos sectores que menos esperamos. Se não, vejamos o exemplo do Guterres que, em 1997, negociou o acordo com o PSD com os nossos úteros. Eu, pelo menos não esperava. Temos muitas mulheres do PS na nossa organização e elas também não esperavam. Faz lembrar a traição dos republicanos às mulheres da Liga de Mulheres Republicanas no início do séc. XX, aquando da 1ª República. No termo da monarquia, prometeram o voto às mulheres e quando ganhou a República, recuaram e não cumpriram o que prometeram, com a desculpa de que as mulheres votavam de forma mais conservadora. Isto levou Ana de Castro Osório a sair da Liga e a fundar a Associação de Propaganda Feminista. Mas não vale a pena fazer braços de ferro, porque o resultado pode ser ficarmos sem o braço.
Anabela Santos
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