http://www.makepovertyhistory.org O Mal da Indiferença: “Ser polícia, mãe, dona-de-casa é uma sobrecarga muito grande”

quinta-feira, março 08, 2007

“Ser polícia, mãe, dona-de-casa é uma sobrecarga muito grande”

Entrevista à agente pricipal da PSP do distrito de Braga, Maria Benilde.

Com um percurso histórico iniciado em 1867, a Polícia de Segurança Pública (PSP) admitiu a primeira mulher-polícia no ano de 1930. Nas décadas subsequentes, o alistamento feminino continuou, principalmente destinado a incumbências como a vigilância de mulheres e crianças. Não obstante, a admissão significativa de mulheres para a PSP é conseguida apenas em 1972, em virtude da reorganização dos serviços da instituição. A readmissão de mulheres volta a acontecer, em 1980: das 14 mil candidatas, 312 conseguiram ingressar. Actualmente, a PSP conta com um corpo de 17 000 agentes em todo o país, mas apenas 10% é constituído por mulheres. A agente principal da PSP de Braga, Maria Benilde, contou ao ‘O Mal da Indiferença’ a sua experiência pessoal de 26 anos, as vicissitudes, semelhanças e diferenças de uma profissão onde a presença feminina ainda é escassa.


Por que razão decidiu optar por uma carreira na PSP?
Eu já tinha um irmão que era agente da PSP e, quando era pequena, adorava andar de boné dele e dizia: “Eu também quero ser polícia”. Quando vim para a polícia eu já estava empregada. Entretanto, abriu um concurso e foi um desafio. Havia tantas mulheres a quererem ir para a polícia que, embora eu já tivesse um futuro, decidi concorrer. Foi muito bom quando apareceu em casa o postalinho para eu ir para a Escola para fazer o curso de formação para agentes da PSP. Gosto de ser polícia, não tenho vergonha de dizer que o sou. Pelo contrário, tenho um grande orgulho porque ser polícia é muito bonito.

Qual foi o seu percurso na PSP até assumir a actual função – a de agente principal?
Não optei por ascender na carreira policial porque me dediquei mais à minha vida particular. Comecei pelo serviço de rua e praticamente não fiz mais nada, fiquei por agente. Dediquei-me mais à minha família e não tanto à carreira profissional em si.

No exercício da sua profissão, alguma vez se sentiu discriminada pelos seus colegas pelo facto de ser mulher?
No princípio, quando eu vim para cá há vinte e tal anos, existia uma pouco de discriminação. Presentemente, acho que isso não se verifica de maneira nenhuma.

E a sociedade civil? Trata-a de igual modo, valoriza o seu trabalho ou subestima-o?
Presentemente, acho que a mulher-polícia já é vista como uma pessoa normal, o que não acontecia há 26 anos atrás. É uma profissão como outra qualquer.

Para acompanhar uma situação de violência, a selecção dos agentes tende a privilegiar o sexo masculino pelo facto de deter uma maior força física?
Presentemente, enviam-se mais homens do que mulheres para o estrangeiro, por exemplo.

Porque é que isso acontece?
Ainda há um bocadinho de preconceito.

Esse preconceito não conduz à discriminação?
Pode não chegar a esse ponto. A partir do momento em que uma pessoa abraça uma missão, essa discriminação passa ao lado, deixa de existir. Acho que tudo vai pelo princípio de uma missão porque este é o mais difícil. Depois de se estar integrado a coisa vai para a frente.

"A nossa sociedade ainda é assim: o homem ainda pode ir e a mulher ficar. Lá virá o dia em que o homem fique e a mulher vá!"

Optou por não ascender na carreira porque decidiu dedicar-se mais à família. Acha que as suas colegas agentes sentem a mesma dificuldade em conciliar a vida familiar com a profissional?
Como em todas as profissões, ser mulher acarreta um duplo esforço porque os homens ainda não assumem a responsabilidade na educação dos filhos. É sempre à mulher que compete esta função. Então, ser policia, mãe, dona-de-casa é uma sobrecarga muito grande.

E este facto poderá inibir a ascensão das mulheres na hierarquia profissional?
Sim, porque há alguma coisa que vai falhar na vida profissional ou na vida privada. Se elas optam ascender na carreira profissional, o ambiente familiar vai ficar um pouco descurado. Já não vai ser uma mãe tão presente porque não pode.

À semelhança do que acontece em outras profissões, a agente é directa ou indirectamente coagida a fazer uma opção…

Como qualquer pessoa e em qualquer profissão, tem-se sempre de escolher. E se toma a opção de ascender na carreira, tem que andar com as malas às costas porque não tem sítio fixo para exercer, tanto pode estar no Porto como em Lisboa.

E a relação com as suas colegas agentes diz-lhe que a escolha recai sobre a vida familiar ou a vida profissional?
Há mais mulheres agentes do que superioras. Eu admiro muito as minhas superioras porque elas fazem uma opção e depois vão tentar conciliar dentro do possível as duas esferas.

E isso já não acontece com os seus superiores que mantêm total disponibilidade para se dedicarem ao desempenho das suas funções…
Mas isso provém da nossa sociedade! A nossa sociedade ainda é assim: o homem ainda pode ir e a mulher ficar. Lá virá o dia em que o homem fique e a mulher vá!

Texto: Anabela Santos
Fotografia: Sylvie Oliveira

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