http://www.makepovertyhistory.org O Mal da Indiferença: “A população está preocupada, mas numa lógica do medo”

sexta-feira, junho 01, 2007

“A população está preocupada, mas numa lógica do medo”


Entrevista ao director da Unidade de Prevenção de Drogas de Braga (IDT)


O director da Unidade de Prevenção de Drogas de Braga (IDT), Miguel Viana aceitou responder às perguntas d’ “O Mal da Indiferença” ligadas ao consumo de drogas. Os perigos das drogas “leves” e as consequências de uma possível despenalização.

Considera que as drogas leves representam um caminho para o consumo de drogas pesadas?

O que está aqui em questão é o fenómeno de escalada, pode ser produzida de diferentes formas pelo indivíduo. Pode-se dar uma escalada, intensificando a quantidade da substância que consome provavelmente porque o organismo do consumidor já adaptado e o efeito diminui. Pode-se dar um processo de escalda, consumindo mais vezes ou então passando de um consumo fumado para um consumo injectado, para rentabilizar ao máximo a substância que adquiriu. Mas também pode haver uma escalada havendo uma transição de substâncias. Mas será abusiva e excessivo dizer que, linearmente, todos aqueles que consumiram drogas leves acabam por consumir drogas pesadas.

"congelem as ideias não passem logo ao acto..."


Concordaria com a despenalização das drogas leves em Portugal?

A partir do momento em que ela estivesse enquadrada em algum mecanismo de acesso legal, tudo aquilo que são os meandros do tráfico e que são todas as outras substâncias adicionadas para aumentar as quantidades e se obter mais lucro, tenderiam a desaparecer porque seriam supervisionadas.
Se houvesse uma hipótese de acesso, isso poderia amortecer ou diminuir o número de indivíduos que passavam a injectar-se, sabendo que a injecção de drogas está intimamente ligada à transmissão de doenças infecciosas.
Qualquer que fosse o enquadramento, a idade, o local de acesso (o acesso seria possível em que estabelecimento? Em farmácia, em drogarias, em centros de saúde), a quantidade (qual é o limite?) e o controle de quantidade comprada seriam questões a definir. A representação social e a segregação, que estão aliados ao consumo de determinada substancia, fariam com que o potencial consumidor adquire drogas no mercado ilícito. A evidência demonstra que o início das drogas começa muito cedo. Os adolescentes que consomem precocemente terão que adquiri-la ilegalmente.

E a despenalização das drogas leves?

Relativamente às drogas leves, chama-se drogas leves porque a população considera que em fase daquilo que são as consequências que socialmente são visíveis. Salvaguardando as distâncias e diferenças que existem entre as diferentes substâncias, o que é facto é que há substâncias que dão dependência física (heroínas) e outras que não dão dependência física (cannabis). Em primeira analise, o que é a dependência? É a incapacidade de o indivíduo conseguir controlar este comportamento. Quando começa a consumir cannabis e torna-se dependente e cria um processo de dependência, isto é leve? Não produz as consequências da heroína, não produz de uma forma imediata e tão célere. Há drogas que as consequências vão insinuando-se dia após dia, a diferença de um dia para o outro é microscópico. Uma coisa vos garanto, um consumidor de cannabis ao longo de anos, começa-se a notar a diferença.
A probabilidade do indivíduo desenvolver uma doença psiquiátrica grave, segundo o comprometimento em várias tarefas cognitivas do indivíduo como por exemplos questões relacionadas com a memorização ficam altamente afectadas. Uma dependência que se vai agravando com um fundo depressivo misturado muitas vezes com um registo paranóico, “toda a gente me quer fazer mal, só complicam, os professores querem me complicar a vida, os meus pais, o chefe”, e uma impulsividade e uma agressividade verbal que também vai crescendo. Em última analise a perda de escolha, o indivíduo para fazer as outras actividades de vida que inclusivamente antes do consumo lhe davam prazer, primeiro tem que ter sempre consumo. Quando temos algum com um quadro de dependência a uma substância que esta a comprometer desta forma, embora possa demorar tempo a se estabelecer isso, pode influenciar a que ele tenha comportamento de risco. Alguém sobre o efeito desta ditas drogas leves acaba por ter comportamentos de riscos ao volante, comportamentos sexuais desprotegidos que vem a contrair uma doença infecciosa. Ao analisar isto tudo será que estamos disponíveis para dizer que isto é leve?


“As pessoas que não são capaz de pedir ajuda estão num patamar de imaturidade.”
Concorda com a implementação das Salas de Chuto?

Eu gosto da terminologia salas administração acética. A ideia que está por trás da criação destes espaços seria em determinados locais onde existe forte evidencia que existe muitos consumidores a consumir droga de forma desorganizada, a correr muitos riscos, a partilhar seringas, a deixarem muito deste material difundido. Então vai ser criado um espaço em que pelo menos haja uma garantia de que as pessoas não vão andar a difundir doenças uns aos outros porque isto constitui um problema para a saúde e sobre o ponto de visto financeiro para o estado. Pretende-se que as pessoas façam o consumo da substância de uma forma acética e que haja uma garantia que não vão contrair mais doença do que aquelas que já têm.
Isto só será pertinente em casos muito particulares onde a evidencia de anos demonstra que existe sítios onde há uma forte concentração de pessoas a consumir droga em condições particularmente adversas e que isto constitui um forte perigo para a saúde pública de eles mas de todos o resto da população com um impacto inclusivamente financeiro para o estado. A hipótese de existir espaços para consumos acéticos em determinados locais depois de confirmado que existe um foco muito grande de perigo poderá ser equacionado esta resposta. Isto tem de ser uma medida quase de excepção, é uma medida que deve ser utilizada quando todo o resto já foi feito e não está a ser eficaz.

A sociedade em geral está sensibilizada para a temática da toxicodependência?

Esta sensibilizada. Falta saber se esta sensibilizada da forma mais adequada. Provavelmente esta temática, que já esteve mais na ordem do dia, se essa pergunta fosse feita há dez anos atrás talvez a resposta fosse de outra forma. Hoje em dia a toxicodependência não é uma daquelas problemáticas consideradas como prioritárias. Contudo a população em geral particularmente no papel de educadores preocupa-se com esta questão das drogas. As drogas são uma daquelas que talvez mais preocupe os educadores. A população está preocupada, esta mas na lógica do medo.
Esta sensibilizada mas esta muito do lado reactivo não esta do lado projectivo. É um passo que era preciso ser dado. É da responsabilidade dos técnicos contribuir na medida do possível para clarificar ou transpor para a sociedade civil o que é o conhecimento actual sobre o fenómeno. De uma forma serena, ponderada, seria, rigorosa, não diabolizada.
Falamos do “fenómeno da droga”, um termo singular, forma isolada, como se fosse uma identidade única. Os jornalistas usam muito este termo “o flagelo da droga”, há qualquer coisa que não esta bem. Flagelo significa ocorrência que vai atingir tudo e todos independentemente das medidas preconizadas para evitar a ocorrência do fenómeno. Então porquê investir na prevenção? Ou acreditamos que há algo que podemos fazer? Eu acredito que sim, há várias para diminuir a probabilidade das pessoas terem o problema com as drogas então isto já não é flagelo. É um problema muito sério, muito complexo, e exige investimento e não só financeiro. Esta ideia flagelo é resultado da angústia, sofrimento e de um certo pânico moral que existe um torno de questões da droga. O medo de que pessoas que nos gostamos serem atingidos por uma coisa dessas.

Que mensagem transmitiria a todos aqueles que experimentam por simples curiosidade? Se vale a pena?

É uma boa pergunta para lhe expor a eles. Eles é que tomam a iniciativa e eles mais do que ninguém poderão dizer se vale ou não a pena. Alguns deles pensam que estarão convencidos que terá valido a pena. Mais do que dizer o que eles devem ou não fazer no fundo eles próprios devem se interrogar.
O que é que eu busco no consumo? Quais são os riscos que eu corro ao consumir? Quais são os benefícios que sai advêm? Será que é possível serem felizes para eles sem consumirem drogas? Em face das respostas que derem tomem as decisões que muito bem entenderem. E quando tomarem as decisões de tomarem drogas que façam o truque que eu chamo de truque do congelador. Quando se tem uma ideia que se parece boa ideia colocam-na no congelador, isto é no cérebro, e tirem-na dos congeladores passados oito quinze dias. E quando descongelarem a ideia, voltem a olhar para ela pensam sobre ela e vê se ela continua a ser boa ideia.
Na maioria dos casos quando pensamos que temos uma boa ideia passado dois ou três dias, já não nos aprecem tão boa. Portanto congelem as ideias, não passam logo ao acto, não seja impulsivo. Regra geral a impulsividade é sinónimo de imaturidade. Primeiro pensar, reflectir sobre todas as variáveis, o porquê o que pretendo com o consumo e depois se o fizer e se tiver duvidas não há nada como ser capaz de pedir ajuda. Um dos critérios que pode definir alguém com maturidade é alguém que é capaz de pedir ajuda. As pessoas que não são capaz de pedir ajuda estão num patamar de imaturidade. Muitas vezes funcionamos de uma forma infantil é o aqui e agora e já, não precisamos da ajuda de ninguém.


Sylvie Oliveira