Gap salarial entre géneros: dois países, um problema comum
A majestosa Europa julga-se um continente avançado que, sempre na vanguarda, acompanha as novas modas da Pós-Modernidade. Esquece, porém, que muitas das condições essenciais a uma fruição plena da cidadania possuem unicamente existência teórica. A assimetria salarial entre homens e mulheres monstra precisamente um continente vulnerável e titubeante em matéria de Direitos Humanos, revelando, simultaneamente, o quão longe está de alcançar a Igualdade de Género.
A França, pela voz do ministro do trabalho, Xavier Bertrand, manifestou, hoje, o intuito de pôr fim ao desfasamento remunerativo entre géneros, apanágio das economias desde o ingresso da mulher no mercado de trabalho, no século XIX. Nesse sentido, anunciou a aplicação de sanções às empresas que não actuem em concordância com a “lógica da correcção salarial”, a partir de 2010. Em Maio, o ministro do trabalho havia já demonstrado a intenção de estreitar este gap: “Se, no curso de dois anos, não tivermos conseguido obter resultados nas empresas, a Inspecção do trabalho terá a possibilidade de poder transmitir estes casos de discriminação”.
Não obstante o maior sucesso escolar feminino, em França, as mulheres são mais afectas ao desemprego, preenchem maioritariamente a base da pirâmide do mercado de trabalho e obtêm remunerações inferiores, não havendo, por isso, uma proporcionalidade entre as suas competências e o seu estatuto no emprego e na família - uma realidade, de resto, em tudo idêntica à portuguesa. De acordo com um estudo “Emplois du temps” de Insee (1998-1999), uma mulher ocupa, em média, num ano, 680 horas no trabalho doméstico mais do que o seu companheiro. E quando um dos cônjuges tem de abdicar da sua carreira profissional para cuidar das crianças, são maioritariamente as francesas a fazê-lo. A obrigatoriedade de conciliar o emprego com a família é um dos maiores obstáculos à efectiva integração da mulher no mercado de trabalho.
Como asseverava há pouco, a realidade laboral em Portugal não difere em nada da francesa. Recorrendo a um texto anterior, estão, em baixo, apresentadas as principais linhas (sexistas, misóginas) caracterizadoras do mercado de trabalho português:
- A participação feminina no mercado de trabalho é, de facto, incontestável. Todavia, não nos deixemos seduzir por meros valores, pois apenas nos induzem em erro. Não podemos olvidar a maior susceptibilidade feminina no que concerne ao desemprego. Com efeito, a taxa de desemprego da mulher é muito mais insinuante do que a do homem. No terceiro trimestre de 2007 (INE, Estatísticas do Emprego), a taxa de desemprego dos homens foi de 6,6% enquanto a das mulheres ascendeu aos 9,3%.
- A entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho contribui para a sua emancipação. Porém, a máxima “salário igual para trabalho de valor equivalente” é assaz adulterada. Em média, os salários das mulheres são nitidamente inferiores aos dos homens, mesmo nos níveis de qualificação mais elevados.
- Qualquer situação desviante da norma é punida (hipocritamente): veja-se o caso da gravidez, por exemplo. Quantas mulheres são demitidas pelo facto de terem engravidado? Não raras são as entrevistas de emprego que levantam uma questão assaz pertinente: quando pretende ter filhos? Mais. Quantas mulheres protelam a maternidade em virtude dos desejos da entidade patronal?
- As mulheres estão em maioria nas universidades – é um facto inegável. Contudo, coloque-se a questão: será que detêm o mesmo estatuto que os homens? Por um lado, há uma concentração feminina num conjunto restrito de actividades profissionais, a saber, serviços pessoais e domésticos, saúde e acção social e educação – segregação horizontal. Por outro, a nível da verticalidade do mercado de trabalho, verifica-se uma maior prevalência das mulheres nos níveis inferiores da hierarquia profissional, ou seja, à medida que aumentam os níveis de qualificação, a concentração feminina diminui – segregação vertical.
- A violência laboral transfigurada no assédio moral e sexual torna-se cada vez mais evidente e nefasta para as relações entre os indivíduos. O assédio moral corresponde a tentativas de descredibilizar, escarnecer, menosprezar manifestadas por um indivíduo em relação a um que lhe é hierarquicamente inferior. Esta forma de violência é, frequentemente, exercida sobre mulheres que retomam as suas funções laborais após um interregno para usufruir da licença de maternidade. O assédio sexual consiste, por seu turno, num comportamento de cariz sexual indesejado por quem é objecto da mesma. Traduz-se em suborno sexual (a vítima é aliciada com oportunidades de formação profissional, promoções, aumento de salário se aceder aos “pedidos” que lhe são colocados); comentários inoportunos, agressões físicas, posturas sexuais. De notar que, uma vez que as mulheres estão escassamente representadas nas posições de chefia, as vítimas de assédio sexual são maioritariamente do sexo feminino.
Em suma, as mulheres não detêm o mesmo status e oportunidades que os homens no campo profissional. As actuais estruturas do mercado de trabalho transparecem algo que parece anedótico, mas triste: a mulher deixou a subserviência doméstica pela marginalização no emprego!
Anabela Santos
Etiquetas: Assimetria salarial, desemprego, marginalização
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