"Síndrome da mulher batida"
O fénómeno da violência doméstica ganhou uma crescente visibilidade social, desde a década de 70 com o movimento feminista, com a universalização dos direitos humanos e com uma gradual sensibilidade social, em matéria de violência.
Ontem foi notícia que este fenómeno atingiu cerca de oito mil mulheres, nos últimos nove meses, dando sentido à crescente vitimação feminina, embora alguma silenciada. Todavia, deparamo-nos com as “cifras negras”, nomeadamente com o enorme desfasamento entre o que é, significativamente, declarado e o vivido, o que nos leva a concluir que, não obstante os esforços e incentivos das instituições na sensibilização, prevenção e encaminhamento das vítimas de crime doméstico, a realidade sombria, de foro íntima, tendo vindo a aumentar drasticamente. De facto, o problema da violência doméstica apresenta uma dimensão mais alarmante, à medida que os dados estatísticos revelam mais intolerância e menos segurança nas sociedades hodiernas. De acordo, com Elza Pais (1996), responsável pela Estrutura de Missão contra a Violência Doméstica constata que “se é hoje maior o sentimento de insegurança do que foi no passado, não é seguramente porque a violência tenha sido menor do que hoje, mas por não ter sido anteriormente tão divulgada e valorizada, o que confere na actualidade, uma maior visibilidade a um fenómeno que pode estar a diminuir (...) Na actualidade, não é tanto a violência que é recente, mas a consciência que dela se tem, bem como a intolerância com que se lida com ela”. Deste modo, o problema da propagação do fenómeno deve-se, sobretudo, à falsa consciência colectiva.
Desde que a violência doméstica se tornou crime público, os registos feitos pelas entidades criminais aumentaram bruscamente, detectando-se, deste modo, mais crimes de agressão física. Contudo, sendo a violência doméstica conhecida por muitos pensadores como “violência intrafamiliar”, sabe-se que a violência se tem vindo a distribuir, de forma mais igualitária, no espaço doméstico, atingindo não apenas crianças, idosos e mulheres, mas também homens. Na verdade, muitos homens omitem a realidade que os afectam, relatando, menos vezes às entidades criminais a sua condição de vítimas. No meu entender, isto deve-se à máxima popular “um homem não chora”!
Com efeito, Gelles (1995: 451) demonstrou que já desde as civilizações grega e romana “o marido podia castigar, divorciar-se ou matar a mulher por motivos de adultério, embriaguez ou for frequentar jogos públicos”. Ora, as famílias patriarcais, desde sempre, concederam ao homem o direito absoluto e o poder ilimitado sobre a sua mulher e filhos. Em contrapartida, porque a história é feita de avanços e de retrocessos, de conquistas e de desafios, a violência praticada contra a mulher só se tornou um crime e um problema social de extrema gravidade, quando foi reconhecido, publicamente, o “síndrome da mulher batida”.
Ana Ferreira
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