"Le féminisme n'a jamais tué personne - le machisme tue tous les jours". [Benoîte Groult]
quarta-feira, janeiro 09, 2008
Simone de Beauvoir: "Ninguém nasce mulher, torna-se mulher"
Em 1976, numa entrevista, Beauvoir dizia que as mudanças pelas quais lutara não se realizariam durante a sua vida. "Talvez daqui a quatro gerações." Que importância tem hoje 'O Segundo Sexo'? Cem anos depois do seu nascimento, a França ainda se comove com ela
Publicado em 1949, tinha Simone de Beauvoir 41 anos, 'O Segundo Sexo' viria a ser considerado uma marca fundamental no pensamento feminista do século XX, abrindo caminhos para a teorização em torno das desigualdades construídas em função das diferenças entre os sexos. Composto por dois volumes (Factos e Mitos e A experiência vivida), o livro debate a situação da mulher, do ponto de vista biológico, sociológico e psicanalítico, inaugurando problemáticas relativas às instâncias de poder na sociedade contemporânea e às diferentes formas (tantas vezes conflituais) de dominação. Reflectindo, pois, sobre as razões históricas e os mitos que fundaram a sociedade patriarcal e a sustentam e que trataram a mulher como um "segundo sexo", silenciando-a e relegando-a para um lugar de subalternidade, Beauvoir irá apontar soluções que visam à igualdade entre os seres humanos.
Fonte de inspiração para autoras como Betty Friedan, que lhe dedicou o seu já clássico 'The Feminine Mystique' (1963), 'O Segundo Sexo' antecipa, de forma admirável, o feminismo da chamada "segunda vaga", que surgiria quase três décadas depois, com o movimento de libertação das mulheres a desenvolver-se, no final dos anos 60, a par de outros movimentos sociais de contestação, de carácter transnacional - as lutas pelos direitos cívicos, os movimentos estudantis, as preocupações ecossistémicas, a reivindicação, por parte das minorias, de uma voz e de um lugar que fosse seu. "A disputa durará enquanto os homens e as mulheres não se reconhecerem como semelhantes, isto é, enquanto se perpetuar a feminilidade como tal", escrevia Beauvoir. Entendendo "feminilidade" como uma construção, a teorização de Beauvoir é levada a cabo a partir da dupla edificação deste conceito dentro do paradigma patriarcal - o "feminino" como essência e o "feminino" como código de regras comportamentais.Sexo e géneroAntecipando os movimentos feministas, Beauvoir antecipa ainda aquela que viria a ser uma das pedras de toque teóricas para os estudos feministas de raiz anglo-americana: a apropriação da palavra "género", para significar a construção social de uma diferença orientada em função da biologia, por oposição a "sexo", que designaria somente a componente biológica. É a partir da frase já célebre de O Segundo Sexo "On ne naît pas femme, on le devient" ("Não nascemos mulheres, tornamo-nos mulheres"), que teóricas feministas como Joan Scott irão, nos anos 80, reflectir sobre o estabelecimento da diferença entre "sexo" e género ("diferença sexual socialmente construída"), desafiando e questionando a noção de que a biologia é determinante para os papéis atribuídos às mulheres e de que existe uma "essência feminina". Assim, dentro de um quadro conceptual feminista, a questão proposta por Beauvoir é crucial, visto denunciar o carácter eminentemente artificial da categoria "mulher": um ser humano do sexo feminino "não nasce mulher", antes "se torna mulher", através da aprendizagem e repetição de gestos, posturas e expressões que lhe são transmitidos ao longo da vida. Só por isto se teria O Segundo Sexo mantido actual. Surpreendente é que novas teorias, como a teoria queer, surgida há pouco mais de uma década, emergente dos estudos feministas e devedora dos estudos gay e lésbicos, revisitem Beauvoir e a sua célebre frase. Tendo como um dos seus nomes mais marcantes Judith Butler, a teoria queer assume-se como emancipatória, ao defender que as identidades são criadas pela repetição de certos actos culturalmente inscritos no corpo. Reagindo às políticas de identidade, que haviam sido, nas décadas de 70 e 80, fulcrais para o sucesso das políticas de inclusão social, Judith Butler, e o seus Gender Trouble (1990) e Undoing Gender (2004), partem desse "On ne naît pas femme, on le devient", de Beauvoir, para acentuar a ideia de que a identidade é fluida e instável e de que "género" é um conjunto de actos performativos. Neste caso, em lugar de se ler "Não nascemos mulheres, tornamo-nos mulheres", poderia ler-se "Ninguém nasce mulher, torna-se mulher", ou seja, todos e todas nós aprendemos a construir identidades a partir de modelos aparentemente matriciais, que se foram depois cristalizando, mas que são, eles próprios, simulacros. A ênfase é, pois, colocada na transformação - que, podendo ser limitação, pode igualmente expandir-se para gesto de liberdade.Em 1976, numa entrevista, Simone de Beauvoir dizia que as mudanças pelas quais lutara não se realizariam durante a sua vida. "Talvez daqui a quatro gerações", acrescentava. Para esta jovem teoria, a lição de Beauvoir coloca-se também num "devir", esse devenir de que, há quase 50 anos, ela falava. Jovem, outra vez, neste ano que celebra o centenário do seu nascimento.
Ana Luísa Amaral
Escritora, e professora de Literatura Anglo-Americana e de Estudos Feministas na Faculdade de Letras do Porto
A publicação de “A Mística Feminina”, em 1963, causou um enorme impacto na sociedade norte-americana, abalando os padrões patriarcais e consumistas, rejeitando o casamento e maternidade como formas únicas de existência da mulher, inaugurando um novo estádio no Feminismo do Ocidente.
N’ A Mística Feminina, Betty Friedan lamenta o escárnio e o infindável catálogo de deturpações que restringem o movimento feminista e impedem o reconhecimento do seu contributo para a consecução do progresso humano.
“Por perversão da história, acredita-se que o entusiasmo e o ímpeto do movimento feminista nasceram do ódio ao homem, nutrido por solteironas amargas, esfomeadas de sexo, castradoras, assexuadas, que se consumiam em inveja tão profunda do órgão masculino que desejavam arrebatá-lo, destruí-lo, exigindo direitos apenas porque não tinham capacidade de amar como mulher”.
Mas, por que motivo este pensamento erróneo conseguiu descredibilizar a luta feminista? Betty Friedan dá-nos a resposta: “O mito de que as feministas eram “monstros antinaturais” baseava-se na crença de que destruir a submissão da mulher, ordenada por Deus, seria destruir o lar e escravizar os homens”.
Para contrariar juízos perversos, “as feministas precisavam de lutar contra a concepção de que estavam a violar a natureza que lhes fora doada por Deus”. O seu propósito fundamental consistia em “provar que a mulher era humana. Precisavam de despedaçar, com violência se necessário, a estatueta de porcelana que representava a mulher ideal do século passado. Precisavam de provar que ela não era um espelho vazio, passivo, uma decoração inútil, um animal sem inteligência, um objecto a ser usado, incapaz de interferir no próprio destino, antes de começarem a combater pelo direito de igualdade com o homem”.
Nesse sentido, “o feminismo não foi um mau gracejo. A revolução feminista precisava de ser empreendida porque a mulher ficou simplesmente detida num estágio de evolução muito aquém da sua capacidade humana”.
E, depois de tudo isto, ainda “será difícil compreender que a emancipação, o direito a ser totalmente humana fosse tão importante para várias gerações de mulheres que algumas chegassem a lutar com os próprios punhos, fossem encarceradas, ou até morressem pela causa?”
A Mística Feminina, de Betty Friedan, publicada em 1963, ocupou os meus dias durante esta época de Estio e, devido ao seu rigor e espírito crítico, inebriou e consolidou o feminismo que há muito me impregna.
Neste livro, Betty Friedan inculpa a mística feminina de cercear a liberdade humana, profissional e criativa das mulheres norte-americanas nas décadas de 50 e 60. Ao contrário das suas antepassadas, as americanas do pós-1945 cederam à subalternização que a mística feminina obstinava impor, circunscrevendo a sua existência ao casamento e maternidade – “vocábulos como ‘emancipação’ e/ou ’carreira’ pareciam estranhos e embaraçosos”.
A ausência de uma carreira, de uma vida “fora de portas” levantou o “Problema sem nome”. Mas, “qual era exactamente esse problema? Quais as palavras usadas pelas mulheres ao tentar descrevê-lo? Às vezes, diziam: “Estou a sentir-me vazia… incompleta”. Betty diagnosticou o problema indizível que assaltava milhares de norte-americanas – tratava-se de uma crise de identidade, de “um desejo indefinido de ‘algo mais’ do que lavar pratos, passar a ferro, castigar e elogiar crianças”.
Com efeito, “o mundo da mulher estava confinado ao seu próprio corpo e beleza, ao fascínio de exercer sobre o homem, à procriação, ao cuidado físico do marido, das crianças e do lar”. O exercício de uma profissão equivalia, para os apologistas da mística, a uma inevitável perda da feminilidade.
A mística feminina não actuou sozinha: contou com a conivência dos media e do sistema de ensino, que detiveram um papel determinante na difusão dos moldes da heroína doméstica, na conservação das mulheres no seu “estado de larva sexual”.
“A Mística Feminina conseguiu enterrar vivas milhões de mulheres”
Mas, afinal, o que é a Mística Feminina? Vejamos:
· A mística feminina determina como propósito único da mulher a concretização da sua feminilidade, que se traduz na “passividade sexual, no domínio do macho, na criação dos filhos e no amor materno”. · A mística ignora a identidade feminina; não considera outro modo de existência da mulher senão como esposa e mãe – “afirma que é possível responder à pergunta “quem sou eu?”, dizendo – “mulher de Tom, … mãe de Maria”. · “Para a mulher que vive segunda a mística, não há realizações, status ou identificação, excepto os de ordem sexual: a realização da conquista, o status como objecto sexual desejável, e a identificação com o papel de esposa e mãe sexualmente bem sucedida”. · A mística representa um retrocesso na História e uma “desvalorização do progresso humano”.
Betty Friedan apresenta, no capítulo final do seu livro, a fórmula-chave que poria fim à feminilidade criada pela mística: o empreendimento de esforços conjuntos de “pais, educadores, ministros, editores de revistas, psicólogos, orientadores, a fim de deter os casamentos prematuros, impedir as jovens de desejarem ser “apenas donas de casa”.
A feminista termina “A Mística Feminina” em tom auspicioso e assertivo: “Mal foi iniciada a busca da mulher pela própria identidade. Mas está próximo o tempo em que as vozes da mística feminina não poderão abafar a voz íntima que a impele ao seu pleno desabrochar”.
Quatro décadas volvidas, a questão levanta-se: a mulher já alcançou a sua IDENTIDADE?
Preocupados com os problemas que surgem quotidianamente, acabamos por menosprezar aquilo que adquire verdadeira importância: o ser humano.
Por isso, apresentamos-lhe este blog, um lugar de reflexão/introspecção,uma atitude face à apatia social.
"Porque o Mal dos males é a Indiferença, colabore connosco".