Códigos de honra e de vergonha
Numa perspectiva macro-sociológica, a teoria da rotulagem considera que há um conjunto de códigos, por sua vez resultantes da disparidade social, que diferenciam dois tipos de comportamentos na base do género – fala-se, então, em “sinais de etiquetagem”. Neste sentido, ainda na Sociedade de hoje cabe ao homem ser um “bom pai do ponto de vista financeiro” e à mulher manter a sua posição de dona ou “fada do lar”. “Ao homem a honra, à mulher a vergonha”!? No entanto, a corrente sócio- biológica veicula a ideia de que sendo o homem um ser activo e naturalmente agressivo, está mais propenso para o combate público e para o sucesso, enquanto que a mulher construtora biológica, detém um carácter mais passivo e está orientada para a procriação e para o cuidado da casa. Poder-se-á constatar então que há uma posição ideológica patriarcal justificada pelo domínio do mais forte social e politicamente: o homem. De facto, não se rotulam teorias, rotulam-se, antes demais, seres diferenciadamente vinculados por uma relação patricêntrica: “ Mulheres, obedecei aos vossos maridos.” [máxima de S. Paulo].
Outros sinais mais subtis explicitam sinais de honra ligados ao homem e de vergonha ligados à mulher: a partir do diferente fenótipo sexual, acentuam-se determinadas dicotomias, tais como o domínio do público ou do formal ligado ao homem face à posição de reduto privado, informal, doméstico e emotivo ligado à mulher. Para além disso, podemos definir outros tantos sentidos: um de foro emotivo, espontâneo e natural, logo, feminizante e outro culto, racional e ponderado, logo, racionalizante ou masculinizado. Por conseguinte, forma-se uma espécie de poder patriarcal compartimentado, que estabelece a distinção entre formal e informal e sobrevaloriza a esfera pública em detrimento da doméstica – daí se constatar, simbolicamente, que o centro se liga ao homem e o banal ou a periferia se liga à mulher.
Estas concepções tiveram desde há muito o contributo de várias, entre as quais, a teoria freudiana que assentava na seguinte linha interpretativa: “ Os rapazes são induzidos a recalcar os seus impulsos libidinosos para com a mãe, as meninas são constrangidas a refrear a sua tendência erótica para com o pai e identificar-se com a mãe” (complexo de Édipo – principio do prazer). Ora, há uma construção de género que, mais uma vez, nos conduz a uma realidade social: ao homem associa-se o prazer, à mulher o constrangimento e o refreamento sexual.
Na esfera organizacional e de poder, os homens detêm as alavancas do poder a vários níveis e tendem a perpetuar-se nas instâncias de decisão em detrimento das mulheres que detêm, em regra geral, um papel subordinado: em casa, na escola, na vida politica, etc.
Ora, num estudo realizado, as mulheres apresentaram taxas de desemprego bastante superiores às registadas nas mesmas faixas etárias para os homens, excepto para os segmentos considerados não reprodutivos em que são bastante similares às registadas para os homens das mesmas idades. Este último dado indica que há discriminação de género e ela está associada à gestação e à criação de filhos, responsabilidade que na nossa sociedade é quase que exclusiva das mulheres. Em relação às condições de trabalho, verificou-se que o padrão de ocupação das mulheres no mercado de trabalho é muito mais frágil que o observado para o tipo de contrato do trabalhador do sexo masculino.
Quanto às funções exercidas em 1996, a proporção de mulheres que desempenha funções não qualificadas é mais que o dobro da observada entre os homens. Quanto ao rendimento médio das mulheres no mesmo ano, correspondia a 60% do obtido pelos homens. A pesquisa constatou ainda que as diferenças de rendimentos entre homens e mulheres existem em todos os sectores da actividade económica, inclusivé por posição na ocupação e em grupos de ocupações semelhantes.
Em suma, há diversos códigos e rótulos que redistribuem a conflitualidade interior e a transmitem para a Sociedade, promovendo um estado de anomia social na base de diferenciações de género: salários desiguais, avaliação erótica e estética de falsa consciência, concepção do tempo e do espaço nos termos do “uso” e do “abuso”, etc. Isto é, a mulher usa o tempo interior para a função doméstica e o homem abusa do tempo e espaço para reforçar o saber, habilidade, força física dando sentido à sua concepção de honra social, ironicamente.
Assim, diversos sinais multiplicam-se numa conjuntura de instabilidade de género por medo, por vergonha, de pura mágoa social...